Foi no sul do Brasil. E o que São Gonçalo tem a ver com isso?
Pelo menos um cidadão que por aqui passou teve relação direta com a Revolução Farroupilha, ou Guerra dos Farrapos (que não eram os pobres, como muitos imaginam, mas aqueles que não tinham acesso às decisões do poder central), considerada a maior guerra civil brasileira, quando o Rio Grande do Sul quis implantar uma república independente do resto do Brasil (e tendo como foco a réplica republicana em cada uma das demais províncias, para então torná-las uma federação) e o movimento foi sufocado pelo Duque de Caxias (então marquês) com muitos tiros e as tradicionais benesses aos revoltosos, usando dinheiro público.
Tal personagem era Luís José dos Reis Alpoim, tenente de artilharia, que lançara em Niterói o jornal Jurujuba dos Farroupilhas, ao mesmo tempo em que, na Corte, era lançado o Matraca dos Farroupilhas. Estávamos em 1831 e o imperador Pedro I abdicara do trono brasileiro para poder voltar a Portugal e assumir em lugar do seu pai, Dom João VI, cujo falecimento deixara aquele país em verdadeira desordem, com a disputa de poder que sobreveio.
Acontece que Alpoim era contra a abdicação e liderou movimento militar no Rio de Janeiro para tentar impedi-la. Além de não conseguir seu intento, ainda foi punido com deportação para o Rio Grande do Sul, o que de pouco adiantou para o governo porque, em sete de abril de 1832, ele sublevou os 10º e 13º batalhões de caçadores do exército e saiu às ruas de Porto Alegre dando vivas ao imperador, à constituição, à federação e a Cipriano (José) Barata (de Almeida), nascido em Salvador, BA, a 26 de setembro de 1762, e falecido em Natal, RN, a sete de junho de 1838, médico formado pela Universidade de Coimbra, fundador da Loja Maçônica Cavaleiros da Luz, em Salvador, em 1797, partícipe da Conjuração Baiana, em 1798, e da Revolução Pernambucana, em 1817.
Eleito deputado pela Bahia às Cortes Constitucionais em Lisboa, em 1821, Cipriano Barata ali defendeu a separação entre Brasil e Portugal, sendo obrigado a retornar à sua província, e aqui continuou sua militância radical, o que o levou a ser preso na Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói, e dali transferido sucessivamente para várias outras prisões, o que o impediu de atuar diretamente na Confederação do Equador, em 1824, mas a que apoiou, mesmo na prisão, por meio de vários escritos, até que em 1836 abandonou a política e o jornalismo, para dedicar-se ao magistério.
Como Barata era, evidentemente, um político radical, elogiá-lo soava como afronta. Isto não bastasse, Alpoim ainda criou no Rio Grande do Sul o Partido Farroupilha, cujo programa previa a criação da federação, o desenvolvimento do nacionalismo e a proclamação da república.
Com o crescimento da Revolução Farroupilha (1835-1845), de líder Alpoim passou a ser apenas mais um participante, mas quando o general Caxias chegou com suas tropas, empunhando a espada com a mão direita e a anistia (com pensões) com a esquerda, ele não pensou duas vezes. Aceitou a oferta e retornou para o Rio de Janeiro, pois, já então, os brasileiros (tanto quanto agora) trocam seus ideais e ideologias por uma boquinha no governo.
Além de obter a pensão federal, Alpoim deu outra sorte: ingressou no serviço público provincial como escriturário e foi dos primeiros a atuar na Comissão Central de Colonização, criada em 1840 e instalada em 1844. De lá foi transferido para a Tesouraria da Província do Rio de Janeiro, em 1847, ali fez carreira e chegou a chefe de seção, que exerceu até sua aposentadoria, em 13 de julho de 1869. Nesse meio tempo, foi candidato a vereador no pleito de sete de setembro de 1844, porém não se elegeu, e, como morador da Rua de Santana, 17, em Niterói, mas que se confundia com São Gonçalo, na patente de major da Guarda Nacional foi instrutor e comandou interinamente o segundo batalhão de infantaria da GN, que existia no território gonçalense, e presidiu, em maio de 1858, o conselho de qualificação para a obtenção de patentes daquela milícia em nossa cidade. Como, no íntimo, continuava um liberal radical, foi perseguido na administração do desembargador Lopes de Leão e exonerado, a bem do serviço público, mas o ato foi anulado no governo provincial posterior, ao ficar clara a perseguição política de que fora vítima. Durante a Guerra do Paraguai, como integrante do 2º Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional, em São Gonçalo, atuou para a obtenção de voluntários, o que valeu a indicação de seu nome como um dos dez sugeridos pela presidência da província, em 1873, para serem condecorados pelo Império.
Luiz José dos Reis Alpoim nasceu em 1808, era casado com Antônia Maria dos Reis Alpoim (falecida em 1892), de quem teve as filhas Luísa América (ou Americana) Alpoim do Vabo e Leonídia Alpoim Pereira do Lago, e faleceu em 28 de fevereiro de 1884, na residência, na Ponte de Pedra (atual bairro de São Lourenço, Niterói), tendo sido sepultado no cemitério de Maruí, Niterói. Seu nome, a não ser breves citações, desapareceu no histórico da Revolução Farroupilha, apesar da inequívoca importância que teve para o movimento.
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Fontes:
Flores, Moacyr, República Rio-Grandense; realidade e utopia, p. 237.
Jornal A Pátria, 17-04 e 03-05-1858, ambos p. 2; e 12-09-1873, p. 3.
Almanak Laemmert para os anos de 1846 (p. 6) e 1847 (p. 15).
Mensagem presidencial à Assembléia Legislativa Provincial, de 20-03-1874, tabela 24.
Emmanuel de Bragança de Macedo Soares, pesquisador em História.
O Fluminense, 02-03, p. 2, e 05-03-1884, p. 4.
Jornal do Commercio, 29-02-1884, p. 4.