Com a criação da Vila Real da Praia Grande, pelo rei Dom João VI, em 10 de maio de 1819, e a consequente inclusão da freguesia de São Gonçalo como seu distrito, nossa História particular começa a ter seus registros na área da saúde pública. O primeiro documento de que obtive informação encontra-se no Arquivo da Câmara Municipal de Niterói e é a emissão de alvará, em cinco de maio de 1820, pelo Barão de Alvaiareze (Manuel Vieira da Silva), físico-mor do Reino, pelo qual foi dada permissão de médico prático ao tenente José Maria da Silva, de São Gonçalo, para curar nos locais em que não há médicos e cirurgiões aprovados em medicina, no caso, a nossa freguesia.
Mas tal permissão, de caráter transitório, não durou muito porque já em 1822 era citado o médico Luiz José de Oliveira Barreto como cirurgião no então distrito da Vila Real. Nascido por volta de 1780, provavelmente aqui, teve ele intensa atividade na cidade, havendo doado 1.240 réis em 1826 para a abertura da Estrada do Boqueirão (atual Rua Salvatori), suplente de vereador nas eleições de 1829 e 1832 e empossado como médico de partido da Câmara Municipal de Niterói na freguesia de São Gonçalo em 23 de abril de 1848. Faleceu em 19 de julho de 1862 e foi sepultado no cemitério que existia em torno da Igreja Matriz. Embora solteiro, deixou descendência.
Esclarecimento necessário: médico “de partido” das Câmaras Municipais era o que hoje denominamos servidor público contratado e nada tem a ver com partidos políticos, como pode parecer à primeira vista. “Partido”, na terminologia da época, equivalia a contrato.
No caso do doutor Luiz Barreto, sua missão formal foi exigente, por substituir o médico de partido em São Gonçalo, Antônio da Silva Gradim, contratado em oito de janeiro de 1845 e exonerado em 17 de maio de 1848, por proposta do vereador Fernando Sebastião Dias da Mota, por abandono de emprego: o Dr. Gradim ausentara-se de suas atribuições de médico de partido para dedicar-se ao exercício profissional particular e ao porto que possuía no bairro que hoje tem seu nome, cuja memória foi conspurcada pela Câmara Municipal e pela Prefeitura, em 2007, com a retirada de seu nome de uma rua local.
Voltemos, entretanto, a agosto de 1846, quando foi instalado o primeiro consultório homeopático gratuito para os pobres, na Vila de São Gonçalo, por Vicente Martins, que funcionava aos domingos, a partir das 12 horas, um ano depois de criada a Escola de Medicina Homeopática no Rio de Janeiro. Na homeopatia, São Gonçalo destacou-se, sobretudo no final do século XIX e princípio do XX, com o médico José Francisco de Faria Júnior, filho do prefeito José Francisco de Faria, que alcançou renome nacional ao dirigir a Sociedade Hannemaniana e o setor de homeopatia da Santa Casa de Misericórdia.
Em 1852, as freguesias de São Gonçalo e Cordeiros possuíam apenas onze médicos: José Mariano de Amorim Carrão, Antônio da Silva Gradim, Joaquim Hermenegildo da França, Luís Pedro Tavares, Luís José de Oliveira Barreto, Francisco Rabelo de Figueiredo, Miguel Zacharias de Alvarenga, Luís Alves de Siqueira, José Francisco de Paula e Silva, Marcos Cristino Fioravante Patrulhano e João José Pimentel, estes dois últimos presenças eventuais, quando em visita às suas fazendas, pois residiam em Niterói. Tertuliano Dias Sodré, cirurgião licenciado, também prestava assistência e somente três farmácias funcionavam no hoje município, as de José Lopes Ferreira, de Bento Luiz Ribeiro e de Luiz Pinto Corrêa. A situação melhorou um pouco três anos depois, quando começou a clinicar o médico gonçalense José da Silva Brandão.
Era setembro de 1855 quando uma epidemia de cólera varreu a freguesia, que naquele mês registrou 260 doentes, com 57 mortos, a maioria composta de africanos. Luiz Francisco Xavier de Araújo Vahia, fiscal da Câmara Municipal de Niterói em São Gonçalo, pediu socorro urgente e foi atendido pelo governo da província, que nomeou dois médicos, acertou o fornecimento de remédios por três boticários e enviou uma carroça, um animal, um caixão e três escravos para fazerem os sepultamentos. Pouco depois, a epidemia estava debelada. No socorro aos doentes destacaram-se os médicos Cândido Borges Monteiro (que transformou sua casa no arraial em enfermaria e depois recebeu os títulos de Barão e Visconde de Itaúna) e Marcos Cristino Fioravante Patrulhano, vereador e que também transformara em enfermaria sua então fazenda da Trindade.
A experiência fez com que, em 10 de setembro de 1857, viesse a ser nomeado o médico de partido José Mariano de Amorim Carrão na freguesia de Cordeiros e, em três de dezembro de1861, fosse baixado o decreto provincial nº 1234, confirmando a criação do cargo de médico de partido na Câmara de Niterói para aquela freguesia, além do de São Gonçalo. Carrão, aqui fazendeiro, exerceu o cargo até 17 de maio de 1866, quando se demitiu por haver mudado residência para Niterói. Melhorava-se o volume de atendimento, mas o problema se agravou com a morte do médico Luiz José de Oliveira Barreto em 19 de julho de 1862.
Para substituí-lo, foi nomeado a 31 seguinte Joaquim Hermenegildo da França, apontado como primeiro médico negro da província do Rio de Janeiro. Formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, ele aqui chegara poucos anos antes e conquistara afeição geral, tanto que foi nomeado inspetor provincial das escolas gonçalenses em 1863 e eleito juiz de paz em 1873. Era também cirurgião da Armada e foi condecorado com o hábito da Rosa e as medalhas da Restauração da Bahia e da Pacificação de Pernambuco. Faleceu aos 80 anos em 14 de abril de 1879 e foi sepultado no cemitério de São Gonçalo.
Com a morte de Hermenegildo, o cargo foi considerado extinto e, em 1880, a Câmara niteroiense recriou-o, havendo nomeado para ocupá-lo, em 11 de novembro, o médico Manoel Antônio da Costa, outro nome de relevo na vida da cidade, aonde chegou a exercer cargos provinciais e o mandato de vereador, tendo sido presenteado pela população com um tílburi e dois cavalos, em seu aniversário, no dia oito de dezembro de 1884. Pouco antes de Manoel Costa, em 30 de setembro de 1880, o dr. Miguel Zacharias de Alvarenga era nomeado médico de partido na freguesia de Cordeiros, completando-se o quadro desse cargo no hoje município.
Nada disso impediu, entretanto, que nova epidemia de varíola ocorresse em Cordeiros, obrigando o governo provincial a autorizar o médico Gustavo Miguel Duque Estrada Meyer, que havia sido eleito vereador em 30 de junho de 1882, a montar uma enfermaria – com dois enfermeiros – em Cordeiros para o atendimento de variolosos, serviço que durou dois meses.
A situação não melhorou sequer com a emancipação do município, em 22 de setembro de 1890, tanto que o vereador Estevão Vaillé, logo após assumir o mandato, doou duas macas à Câmara Municipal gonçalense, em 19 de julho de 1897, para a condução de indigentes, doentes e mortos.
Isto incomodou profundamente o padre Paulo d’Estybaire. Nomeado em dois de agosto de 1903 para as freguesias de São Gonçalo, Cordeiros e Itaipu, em substituição ao padre João Ferreira Goulart, pouco antes falecido, ele não concordava com o fato de não haver hospital público na cidade. Em 19 de janeiro de1905, lançou a primeira campanha para a construção de um hospital dirigido por irmãs de caridade, mas sofreu forte oposição dos políticos da época. Estes argumentavam que os gonçalenses já eram atendidos em Niterói e que um hospital próprio somente aumentaria as despesas do município. Foi tão combatido que acabou desistindo.
Parece que para queimar a língua dos opositores do projeto, em 1911 eclodiu uma violenta epidemia de peste bubônica em São Gonçalo, fazendo com que os prefeitos daqui e de Niterói se unissem para combatê-la. À frente de um batalhão de médicos (entre eles o próprio genro do governador Oliveira Botelho, Álvaro Osório de Almeida) e de acadêmicos de medicina (um deles, Genserico Ribeiro), o dr. Borman Borges conseguiu debelar o surto depois de fazer mais de mil desinfecções, tendo sido as despesas custeadas pelo governo do Estado.
Prosseguiam, então, as ações tópicas de saúde pública, como a campanha de vacinação antivariólica lançada pelo prefeito Temístocles de Almeida e pelo médico Camilo de Lellis Ferreira em março de 1912, a compra do sítio Jacaré pelo presidente (governador) Oliveira Botelho, cujo decreto nº 1247, de 10 de maio de 1912, visava a instalação de uma colônia de alienados, que nunca saiu do papel, e a campanha de distribuição de quinino, pelo deputado Fábio Sodré e o prefeito Artur Cesar de Andrade Júnior, em 1918.
Drama, mesmo, veio logo a seguir, quando e epidemia de influenza, ou gripe espanhola, explodiu na cidade. Um dos primeiros infectados foi o próprio prefeito, Américo José Ribeiro, que conseguiu curar-se. Ele deu isenção de impostos para quem limpasse, caiasse e pintasse as casas, como forma de prevenção; os médicos Luiz Palmier, recém-formado, e Gustavo Meyer instalaram consultórios nas farmácias Couto, na Vila, e Leite, em Neves, e percorriam a cidade em lombo de burro para atender aos doentes; e a população ia às ruas pedir a proteção divina com procissões em Sete Pontes, Cordeiros e Engenho Novo.
Para se ter uma idéia do caos, somente de nove de outubro a quatro de novembro de 1918, foram realizados 400 sepultamentos no cemitério de São Gonçalo. A tradicional festa de Nossa Senhora da Conceição de Cordeiros, em oito de dezembro, foi suspensa, o médico Genserico Ribeiro e José Rodrigues Gonçalves (pai do professor Armando Gonçalves, nome de escola em São Gonçalo) morreram em Niterói e Antônio Jonkopings de Carvalho Filho, primogênito do futuro prefeito Jonkopings, faleceu em São Gonçalo. Para não cruzar os braços, o farmacêutico (e futuro vereador) Augusto Cezário Diaz André transformou sua própria residência, em Pachecos, em hospital e, com a ajuda de Adjalme Sertório, atendeu a 250 pacientes em apenas seis dias iniciais de novembro, prosseguindo em atividade até a extirpação do mal.
Assim como chegou, a epidemia de gripe espanhola se foi, sem que até hoje se conheçam as causas, e o povo comemorou com várias festas, como a da Rua Coronel Amarante, na Venda da Cruz, em oito de dezembro, com missa, banda de música do Centro Musical Fluminense e muitos fogos de artifício. E acabou tendo um ponto positivo: o médico Leandro Motta, diretor do hospital de isolamento do Barreto, em 20 de janeiro de 1919 entregou ao Patronato de Menores de São Gonçalo 41$860, recolhidos de doentes de identidade desconhecida falecidos naquela unidade durante a epidemia.
Mesmo com o fantasma da espanhola deixado no passado, o diretor de Higiene da prefeitura gonçalense (atual secretário de Saúde), médico Gustavo Miguel Duque Estrada Meyer, não se descuidava e em outubro de 1919 dava início à campanha de vacinação e revacinação contra a varíola. Enquanto ele pensava no presente, o médico Luiz Palmier, o empresário Hermógenes Lima e o jornalista Belarmino de Mattos lançavam seus olhares para o futuro: São Gonçalo continuava sem hospital próprio e eles queriam construí-lo. Com esse objetivo, reuniram-se no dia primeiro de janeiro de 1920 e lançaram as bases da campanha. E tiveram nos braços do pai de Palmier, Felício, a ação mais duradoura e constante, servindo até de pedreiro para levantar as paredes da futura unidade hospitalar.
Em sete de março seguinte, realizava-se a primeira de dezenas de festas no salão nobre da prefeitura, em benefício do Hospital de São Gonçalo, com caricaturas de Kalisto (um dos principais caricaturistas brasileiros da época e dos primeiros a colaborar) e parte literária com Armando Gonçalves e Ramon Alonso. Em 26 de julho do mesmo ano, o prefeito Geraldo Ribeiro Machado sancionou a deliberação nº 125, em que a Câmara o autoriza a ceder próprio municipal para a instalação do hospital, e em outubro foram aprovados os estatutos elaborados por Gurgel de Oliveira, Ismael Branco e Celso de Queiroz Nogueira, com a colaboração de Palmier, Hermógenes Lima e Belarmino de Mattos. Em 30 de dezembro foi eleita a primeira diretoria do hospital, com Luiz Palmier (presidente), Alonso Faria (vice-presidente), Belarmino de Mattos e Gurgel de Oliveira (secretários) e Ismael Branco (tesoureiro).
Enquanto isso, o próprio Palmier cedia sua Chácara Boaçu para a instalação, em 25 de outubro, do Posto Rockfeller, em solenidade na qual, além dele, falaram os médicos Uchoa, Cotrim e Hachett, e em 14 de dezembro o advogado Aloísio Neiva era nomeado prefeito, o que paralisou o apoio oficial à construção do hospital. Chega o ano de 1921 e, em fevereiro, é criado o posto sanitário no bairro da Vila (hoje denominado Posto de Saúde Washington Luiz Lopes) e a situação tendeu a melhorar quando, em 14 de abril, Mário Pinotti assumiu o cargo de prefeito. Quatro dias depois ele inaugurava o posto de profilaxia em Santa Isabel, dirigido pelo médico Waldemar Pereira, e em sete de julho recebia a diretoria da associação pró-Hospital de São Gonçalo, que lhe apresentou a planta da obra, com previsão de 60 leitos.
Pinotti, médico que era, entusiasmou-se com o projeto e trouxe o presidente (governador) Raul Veiga para o lançamento da pedra fundamental, em seis de novembro. Mas era tal a grandiosidade que ele anteviu a demora na realização da obra e resolveu criar um pequeno hospital, junto ao posto sanitário, para funcionar até que o outro estivesse pronto. Deu-se mal, pois os políticos e os meios de comunicação começaram a acusá-lo de boicotar a proposta de Palmier, e ele desistiu da idéia. Em sete de junho de 1922, afastou-se da prefeitura para concorrer à eleição de prefeito, em nove de julho, mas não alcançou a vitória e mudou-se da cidade.
Primeiro prefeito eleito do município, em 18 de maio de 1924, o empresário Álvaro Lopes Martins assumiu o mandato em seis de junho. A exemplo de Pinotti, empolgou-se com o projeto do Hospital de São Gonçalo e chegou à mesma conclusão: à base de donativos populares e sendo de grandes dimensões, demoraria muito a tornar-se realidade. Por isso, resolveu montar uma unidade de emergência, aproveitando um antigo prédio, na Vila, que mandou pintar, instalou três camas hospitalares e gabinetes médicos, e inaugurou-o em 21 de março de 1925, dia de seu aniversário. Incumbiu o médico Murilo Pires de dirigi-lo, já que, como diretor de Higiene (atual secretário de Saúde), mandara instalar postos de vacinação contra a varíola, que continuava endêmica, em todas as farmácias e conseguira reduzir o número de casos. Eles eram tantos que o médico Gustavo Sartore promovia festivais para arrecadar recursos em favor das crianças órfãs. Murilo Pires destacou-se no setor: filho do farmacêutico Mário Guanabarino Pires e de Hermínia de Campos Pires, formou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1921, em 1922 ingressou no Corpo de Saúde da Polícia Militar, como tenente-médico, de 1924 a 1927 ficou na prefeitura de São Gonçalo, voltou a Niterói em 1930 e 5 anos depois foi transferido para Campos dos Goitacazes, a serviço da PM, de onde só retornou em 1937, até ser reformado em 1953. Foi um dos fundadores, em 1929, da atual Faculdade de Medicina da UFF, nela lecionou, assim como na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde foi assistente do professor Alcino Baena, trabalhou na Assistência Municipal do Distrito Federal, presidiu o Abrigo São Geraldo até seu falecimento, em outubro de 1958, e foi benemérito da Federação Espírita do Estado do Rio de Janeiro. Nascido e falecido em Niterói, Murilo casou-se com Sílvia de Barros Pires, não havendo deixado descendência. Murilo Pires é nome de rua nos bairros Galo Branco, em São Gonçalo, e Fonseca, em Niterói.
Martins foi duramente combatido, como ocorrera com Pinotti, sem se deixar vencer pela adversidade até o final de seu mandato, em 30 de abril de 1927. Mal assumira, o novo prefeito eleito, Mentor de Souza Couto, via mais uma ameaça sobre a cidade: a peste bubônica havia chegado a Neves. Era agosto de 1927 e, dizia-se, os casos haviam sido importados do Rio de Janeiro, através do porto daquele bairro. Por via das dúvidas, Mentor recorreu ao Serviço de Higiene da Prefeitura de Niterói e ao Serviço Federal de Saneamento Rural, cujos diretores, médicos Alcides Figueiredo e Carlos Sá, mandaram suas equipes para combater os focos, que foram dados por expurgados em 22 de setembro seguinte.
Antes e depois da espanhola, São Gonçalo vivia assolado principalmente por varíola, malária, tuberculose e hanseníase, o que era comum também nas capitais do estado e da República. Porém, já agora com caráter endêmico, as três primeiras doenças pareciam estar sob controle, até que a segunda explodiu em 1929, levando o médico Luiz Palmier a fazer palestras no Cine Odeon (no bairro da Vila), hoje inexistente, em 23 de abril de 1929, e em seguida em vários colégios, ao mesmo tempo em que a prefeitura mandava aterrar os pântanos do Porto da Pedra, por se acreditar na época que ali estava a origem do mal.
Enquanto isso, não se tornava realidade o Hospital de São Gonçalo e a emergência mantida pela prefeitura continuava a funcionar precariamente. Solidários, os espíritas se reuniram e lançaram no dia 21 de junho de 1929, a pedra fundamental do Hospital Angélico nos amplos terrenos do Centro Espírita União dos Crentes, na Avenida Operária (hoje Rua general Antônio Rodrigues, Estrela do Norte). Campanha para obtenção de recursos financeiros teve início em 18 de agosto, com festival no Teatro Municipal de Niterói, de que fazia parte a peça de Osmany Mastrângelo satirizando o doutor Voronoff, médico russo que fazia sucesso com transplantes de órgãos de símios para humanos. Apesar da boa vontade dos espíritas, o Hospital Angélico não se tornou realidade. Na época, a situação sanitária em Neves, então nosso principal bairro, era tão ruim que foi instalado um posto federal de higiene na Rua Floriano Peixoto, 69, sob a direção do médico João Tavares e que ali funcionou durante dois anos.
Com a eleição do engenheiro Stéphane Vannier, assumiu o cargo de diretor da Higiene o médico Henrique Moss de Almeida, em 31 de dezembro de 1929, e uma de suas primeiras providências foi trocar por produção própria a alimentação fornecida por particulares para os pacientes do rústico hospital municipal. Era de péssima qualidade aquela comida, dizia ele. Mas, tanto quanto Vannier, não teve tempo de fazer muita coisa. Com a revolução de três de outubro de 1930, todos foram depostos e, em 17 de dezembro, assumia o cargo de prefeito o major (da Guarda Nacional) Carlos Augusto Duque Estrada. Em junho seguinte, ele fez uma mudança mais radical, transferindo o hospital municipal para o antigo Asilo Nossa Senhora das Dores (onde hoje funciona o colégio de mesmo nome), desativado pela Irmandade de São Miguel, que o mantinha.
Porém, pouco gozou da inovação porque em dois de julho do mesmo ano assumia em seu lugar o major (do Exército) Samuel Barreira, que foi o diferencial na campanha de construção do Hospital de São Gonçalo, hoje denominado Luiz Palmier. Com a experiência de haver sido prefeito de Alto Purus, no Acre, entusiasmou-se com o projeto de Luiz Palmier e organizou em dois de setembro a primeira grande reunião em favor do HSG, na própria prefeitura, e sugeriu a criação da Associação das Damas de Caridade, que viria a ser criada vinte dias depois, tendo sua filha, Lúcia, como uma das participantes. Ele mesmo programou para o dia 27 uma exposição-feira de produtos agrícolas e fabris no pátio do Executivo, com renda total para o hospital, e promoveu outra, em quatro de outubro.
Barreira sabia, entretanto, que os recursos financeiros dos gonçalenses seriam insuficientes para a grandiosidade da obra e, por isso mesmo, cuidou de trazer o interventor federal, general João de Deus Menna Barreto, para visitar o hospital em 27 de setembro. Como o general Pantaleão da Silva Pessoa assumiu a interventoria fluminense em cinco de novembro, o prefeito foi a ele e o convenceu a visitar as obras, o que fez em dois e onze de dezembro. Quatro dias depois, o almirante Ary Parreiras foi empossado interventor e lá estava o prefeito. Tendo seu cargo confirmado, insistiu para que Parreiras conhecesse as obras do HSG, o que fez em 20 de abril, tornou-se ele próprio um admirador da iniciativa de Palmier e passou a destinar a ela verbas estaduais.
O ano de 1932 transcorria quando Barreira não mais resistiu às pressões políticas e pediu exoneração, tendo entregue o cargo de prefeito ao comandante Álvaro Miguelote Vianna em 24 de dezembro, mas pedindo-lhe especial atenção para o hospital de São Gonçalo, o que levou o sucessor a visitá-lo em três de fevereiro de 1933, tornando-se também ele entusiasta da realização. Assim, cedia o salão nobre da prefeitura para que nele a senhora Julieta Frick realizasse soirée dançante em seis de maio, animada pela jazz-band do Batalhão Naval, com renda em benefício do hospital.
Luiz Palmier não descansava e estava à frente de outras iniciativas, como a criação da Sociedade Gonçalense de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, de cuja presidência incumbiu sua mulher, Olga, na instalação ocorrida em 27 de setembro de 1933. Na época, havia a possibilidade de um dispensário de leprosos ser instalado na Ilha do Carvalho, o que acabou ocorrendo em Venda das Pedras, Itaboraí, cuja pedra fundamental foi lançada em 14 de julho de 1935. Para São Gonçalo restou a criação do Educandário Vista Alegre, para os filhos de portadores de hanseníase, em outubro de 1937, quando foi adquirida a área para sua instalação, que só ocorreria em 1940, ano em que ali se estabeleceram os primeiros 47 internos, que assistiram à primeira missa, celebrada pelo padre Leonardo Koch em 11 de julho, um mês antes da inauguração de sua nova ala pelo ministro Gustavo Capanema e pelo interventor federal Amaral Peixoto, em 27 de agosto.
O interventor federal Ary Parreiras continuava apoiando maciçamente a construção do Hospital de São Gonçalo e para ver seu andamento a ele foi em 16 de dezembro de 1933, fazendo-se acompanhar de Miguelote Vianna, que, no dia 31, assinou contrato com a associação mantenedora para que ela administrasse o hospital da prefeitura e o absorvesse, o que viria a ocorrer no ano seguinte, em troca de verbas municipais para sua manutenção.
Com efeito, em quatro de março de 1934 era inaugurado o Hospital de São Gonçalo, presentes, entre muitos outros, Ary Parreiras, Miguelote Vianna e Luiz Palmier. Logo depois, era instalado o seu centro de estudos, mas o problema, previsto pelos políticos no princípio do século XX, seria o de recursos financeiros para seu funcionamento. Por isso, prosseguiam as soirées dançantes no salão nobre da prefeitura, como a de novembro de 1934, e o próprio Ary Parreiras, pelo decreto nº 3255, de 15 de maio de 1935, concedeu isenção de impostos à farmácia mantida no hospital. Em fevereiro de 1937, a associação do hospital lançou campanha para a compra de sua primeira ambulância.
Entre um acontecimento e outro, prosseguiam as providências para o enfrentamento de questões permanentes na área de saúde pública. Por isso, em sete de novembro de 1935, o governo do estado instalava um posto de vacinação contra tifo, no prédio da prefeitura, para aumentar a rede já formada por farmácias e postos nos distritos.
Eis que é implantado o Estado Novo no dia 10 de novembro de 1937 e o presidente Getúlio Vargas nomeia seu futuro genro Ernani do Amaral Peixoto para o cargo de interventor federal no estado, por este assumido em 12 do mesmo mês. O Hospital de São Gonçalo já estava em expansão e viria a inaugurar uma nova ala, em 29 de junho de 1938, dando-lhe o nome do ex-prefeito Jonkopings de Carvalho, seu principal financiador.
Já tinha sido empossado, em 11 de maio de 1938, o novo prefeito, Eugênio Sodré Borges, que continuava apoiando o hospital, mas passou por uma traumática experiência. Dirigindo seu automóvel, atropelou uma menina de nove anos em 13 de julho daquele ano e verificou que ela não podia ser atendida no HSG, tendo-a levado para o Hospital Santa Cruz, em Niterói, onde ficou até que ela fosse declarada fora de perigo e pagou todas as contas. Naquele momento, colocou na cabeça que a cidade precisava também de um pronto socorro. Construiu as instalações rapidamente, aos pés do morro em que estava encarapitado o hospital, e inaugurou-as em 10 de novembro, para comemorar o primeiro aniversário do Estado Novo. Antes, em 12 de outubro, nomeou os primeiros acadêmicos, entre os quais Aécio Nanci (depois prefeito e deputado estadual), que ajudariam os médicos da prefeitura para lá designados, e em sete de janeiro de 1939 completava o quadro com a nomeação das primeiras enfermeiras (Olga Monteiro, Dioguina Brayne e Maria Vieira Ribeiro) e do primeiro motorista (Lauro Corrêa de Andrade). E adquiriu, no mesmo ano, as duas primeiras ambulâncias da prefeitura. No primeiro semestre daquele ano, foram mais de mil atendimentos, com o recorde de 17 em um só dia. Em um ano, eram 2232 pacientes atendidos.
O sucesso do Pronto Socorro começou a gerar conflito com o hospital, que perdeu fatia de sua renda, enquanto a sociedade, quase sempre com Luiz Palmier à frente, ia tomando outras iniciativas, como a inauguração do lactário e da cozinha dietética do Instituto Gonçalense de Assistência à Maternidade e à Infância (IGAMI), pouco antes criado, em 21 de outubro de 1939, iniciativa não só dele como dos jornalistas Vieira de Macedo e Belarmino de Mattos.
Em 1º de março de 1940 assumiu o cargo de prefeito o engenheiro Nelson Corrêa Monteiro, que teria como sua principal obra nesse campo a transformação do antigo posto sanitário em moderno posto de saúde, que inaugurou no cinquentenário de emancipação do município, em 22 de setembro daquele ano.
Começa-se então uma nova fase, que vai até 2009, em que os principais fatos foram a construção do atual Pronto Socorro, a municipalização do Hospital de São Gonçalo (que passou a se chamar Luiz Palmier), ambas de iniciativa do prefeito Joaquim Lavoura, a construção do Pronto Socorro Infantil Darcy Sarmanho Vargas, a instalação do Pronto Socorro de Alcântara, pelo prefeito Jayme Campos, e a construção do Hospital Geral (estadual), pelo governador Marcelo Alencar, graças principalmente aos ex-prefeitos Osmar Leitão Rosa e Hairson Monteiro dos Santos. Mas, aí já é outra História.
Fontes:
Emmanuel de Macedo Soares, Câmara Municipal de Niterói, 180 anos de Ação Municipalista; Dicionário Histórico e Biográfico Fluminense; Cronologia Niteroiense; e As Ruas Contam Seus Nomes, p. 815.
Talita de Oliveira Casadei, A Imperial Cidade de Niterói.
Diário do Rio de Janeiro, 01-02-1823, p. 4.
Leis provinciais nº 297, art. 1º, parágrafo 1º, de 02-06-1843; e nº 2464, art. 1º, de 21-09-1880.
Jornal do Commercio, 17-08-1846, p. 1.
Decreto provincial nº 1234, art. 1º, de 03-12-1861.
Portaria provincial de 03-07-1880.
O Fluminense, 03-07-1880, p. 2; 05-01-1881, p. 2; 20-08-1882, p. 1; 01-02-1884, p. 1; 20-07-1897, p. 2; 02-08-1903, p. 3; 20-01-1905, p. 2; 24-03-1912, p. 3; 11-06-1918, p. 1; 14-10-1918, p. 1; 05-11-1918, p. 1; 07-11-1918, p. 1; 13-11-1918, p. 1; 07-12-1918, p. 3; 22-01-1919, p. 1; 02-10-1919, p. 2; 16-11-1929, p. 1; 31-12-1919, p. 2; 05-03-1920, p. 2; 19-05-1920, p. 3; 19-08-1920, p. 1; 01-09-1920, p. 3; 15-10-1920, p. 1; 26-10-1920, p. 1; 17-12-1920, p. 1; 30-12-1920, p. 1; 02, 04 e 20-04-1921, p. 1; 07-07-1921, p. 1; 06-11-1921, p. 1; 21-03-1925, 1; 05-08-1927, p. 1; 23-04-1929, p. 1; 21-06-1929, p. 2; 30-07-1929, p. 1; 16-11-1929, p. 1; 01-07-1930, p. 1; 23-11-1930, p. 1; 02-07-1931, p. 1;02, 10, 23 e 27-09-1931, p. 1; 11-12-1931, p. 1; 19 e 21-04-1932, p. 1; 23 e 24-12-1932, p. 1; 29-04-1933, p. 1; 27-09-1933, p. 1; 01, 04, 06 e 07-03-1934, p. 1; 05-04-1934, p. 1; 23-02-1937, p. 1; 22-10-1937, p. 1; 15-05-1938, p. 1; 14-07-1938, p. 1; 02-07-1939, p. 1; 21-10-1939, p. 1; 29-02-1940, p. 1; 01-03-1940, p. 1; 14-07-1940, p. 1; 27 e 28-08-1940, p. 1; 17, 22 e 24-09-1940.
A Pátria, 16-03-1884, p. 2.
Leis estaduais nº 1247, de 10-05-1912; e nº 1670, de 15-11-1920.
A Gazeta, 15-12-1920, p. 1; 22-03-1925, p. 4; e 11 e 17-06-1931, p. 4; 06-02-1933, p. 1; 30-03-1933, p. 1; 11-05-1933, p. 1; 17-12-1933, p. 1; 01 e 21-01-1934, p. 1; e 28-07-1937, p. 1.
Expediente do Estado do Rio de Janeiro, 12-05-1912, p. 1; 16-12-1920, p. 11; e 13-12-1930, p. 1.
Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 01-07-1931, p. 2; 03-07-1931, p. 3; 04-07-1931, p. 6; 27-09-1931, p. 1; 05-11-1931, p. 2; 03-12-1931, p. 2; 12-12-1931, p. 3; 15-12-1931, p. 1; 22-12-1931, p. 2; 15-05-1935, p. 1; 06-11-1935, p. 9; 12-11-1937, p. 1; 12-10-1938, p. 20; 07-01-1939 (Diário das Municipalidades), p. 2; 02-07-1939, p. 2; e 01-03-1940, p. 1.
O Estado, 25-05-1924, p. 1; e 04-02-1931, p. 1.
O São Gonçalo, 05-02-1939, p. 1; 05-11-1939, p. 1; e 25-08-1940, p. 1.