Desde que o homem surgiu sobre a face da Terra há indícios arqueológicos da prática do duelo, o combate entre dois adversários em que um deles exige do outro a reparação de uma ofensa. Geralmente terminado em morte de um dos contendores, não era considerado homicídio, devido às regras rígidas aprovadas por seus praticantes e à presença de um juiz.

Destinados a resolver questões de honra, os duelos se multiplicaram a partir do século XV, dizimando parte da nobreza, o que levou a Igreja Católica a proibi-lo no Concílio de Trento, em 1545, sob pena de excomunhão para seus praticantes. A partir daí, vários estados nacionais também adotaram a proibição mediante lei própria.

Entretanto, nem a pena religiosa do inferno nem a pena legal da prisão foram suficientes para abolir os duelos, praticados nos primeiros tempos da Humanidade com martelos de pedra e, na Idade Média e na Renascença, com espada, ou florete, ou pistola. No máximo, foi amenizada sua consequência com o chamado duelo do primeiro sangue, isto é, atingido um dos contendores, mesmo que não mortalmente, era o combate encerrado com a derrota do ferido.

Portugal foi o primeiro país a proibir formalmente o duelo, ainda no século XVI, e na centúria seguinte o imperador Luís XIII proibia-o na França. Porém, a cultura duelista era de tal forma arraigada na sociedade de então que o duelo continuou a ser praticado, a ponto de, em fevereiro de 1887, o conde Pfunyi, em Peste (Hungria), haver comemorado seu 51º duelo com banquete de que só participava quem houvesse feito pelo menos seis duelos e fosse homem, exceção aberta para apenas uma mulher, que matara um homem. Segundo os jornais da época, foi um desfile de pessoas sem orelhas, olhos, nariz e com cicatrizes de outros ferimentos.

            A resistência ao duelo era tal que o Reischstagg (parlamento) da Áustria resolveu também aboli-lo por lei, em 1902, enquanto na Prússia o mesmo só ocorreu anos depois devido à oposição do exército e da nobreza protestante, ambos favoráveis a essa forma de solução de ofensas morais. A longevidade de tal prática foi atestada pelo Uruguai, que só a proibiu em 1980, ou seja, recentemente.

Se Portugal já havia proibido o duelo na metrópole e também nas colônias no século XVI, o Brasil estava sujeito à proibição, no período colonial, e a teve confirmada depois da Independência, com a constituição outorgada por Pedro I, em 1824. Porém, como no resto do mundo, inclusive no território português, os duelos continuaram a ser aqui praticados, embora às escondidas das autoridades.

Justamente por essa prática de duelar longe dos olhos oficiais, São Gonçalo foi escolhido para palco de muitos duelos. Assim ocorreu em dois de dezembro de 1896, quando duas figuras da alta sociedade de Niterói decidiram resolver suas desavenças no tiro. Prepararam-se, embarcaram em uma canoa e dirigiram-se à Ilha de Itaoca, onde desembarcaram acompanhados de um médico. Não contavam com o delegado de polícia gonçalense, coronel (da Guarda Nacional) Domício Dias de Menezes, que circulava também nas rodas niteroienses, foi informado e seguiu por terra para a mesma ilha. Ali esperou o desembarque dos desafiantes, apreendeu-lhes as duas pistolas Laport que portavam e os mandou de volta a Niterói, acompanhados de escolta. Os dois eram personalidades de tal importância que só um jornal noticiou o fato, sem publicar os nomes deles, e todos os demais o ignoraram ou chegaram mesmo a alegar que ele não existira, apesar dos dois revólveres apreendidos.

Caso bem mais rumoroso foi o do duelo entre os jornalistas italianos Attilio Turchi, diretor de La Stampa, e barão Gino Doria, diretor do Corriere Italiano, que se desentenderam na cidade do Rio de Janeiro e vieram duelar no Porto da Pedra. Tudo começou com ofensas recíprocas, a que se seguiu o desafio mútuo entre os dois exímios esgrimistas. De canoa, atravessaram a Baía de Guanabara em sete de outubro de 1917, acompanhados dos padrinhos Alberto Bianchi e Nunzio Di Giorgio (do primeiro) e Franco Chelta e Lorenzo Marino (do segundo), além dos médicos Heitor Rigoli e Gregório Rispolli. Às 11 horas começou o duelo de primeiro sangue (a sabre, ou a florete, conforme cada jornal que o noticiou) e, no oitavo assalto, Gino Doria foi ferido no antebraço esquerdo, sendo declarado derrotado. Doria foi medicado, reconciliou-se com Turchi e recolheu-se à residência. Voltaram ao Rio, mas os jornais noticiaram o fato, o que levou o juiz municipal Oldemar de Sá Pacheco (29-06-1881/27-06-1957) a solicitar à polícia fluminense a abertura de inquérito, ouvir contendores, padrinhos e médicos, até que esta recebeu ordem de os autos serem enviados para a então capital federal, onde o caso, pela importância de suas personagens, foi “abafado”.

O futuro mostrou que a derrota foi boa.

           O perdedor daquele combate de esgrima, Gino Doria, nascera em Nápoles em 1888, chegou à Argentina em 1910 e se transferiu para o Rio de Janeiro alguns anos depois. Aqui, após perder o duelo em 1917, decidiu voltar à Itália no ano seguinte para lá continuar no jornalismo, até que foi proibido de exercer a profissão por opor-se ao fascismo. Nomeado diretor do Museu de San Martino, aprofundou seus conhecimentos da história napolitana, tornou-se bibliófilo e historiador, escreveu doze livros (um deles sobre a História da Argentina e a do Brasil), acerca de Dória foram escritos dois livros biográficos (ambos desconhecendo a história do duelo) e seu nome é verbete no Dicionário Biográfico dos Italianos, de 1992. Dória faleceu em Nápoles em 1975, aos 87 anos de idade, e é até hoje reverenciado pelos conterrâneos intelectuais.

Vários outros duelos foram registrados pela imprensa em São Gonçalo, notadamente no distrito de Neves, mas nenhum deles alcançou a repercussão dos dois acima relatados.

 

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Fontes:

Grande Enciclopédia Larrousse Cultural, editora Nova Cultural Ltda., edição de 1998, p. 1990.

            O Fluminense, 09-03-1887, p. 3; 04-12-1896, p. 1; 12-06-1902, p. 2; 08-10, p. 2, 14-10, p. 1, 16-10, p. 1, 23-10, p. 1, e 25-10-1917, p. 1.

            Jornal do Commercio, 08-10-1917, p. 4.

            Jornal do Brasil, 11-10-1917, p. 7.

            Diário do Povo, Maceió, AL, 11-10-1917, p. 2.

             Wikipédia italiana, acessada em 31-05-2012.